Lacunas históricas, falta de investimento e gestão em recursos e problemas sistêmicos. Essas são as avaliações e diagnósticos de professores, especialistas e gestores em educação do Rio Grande do Norte ao analisar a diferença entre os custos para se manter um preso e um aluno no Estado e no Brasil, que chegam a três vezes entre um e outro.
O tema foi pauta de reportagem da TRIBUNA DO NORTE no último domingo (16), com o título “Preso custa três vezes mais que aluno do Ensino Médio do RN” e repercutiu dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Departamento Penitenciário Nacional (Senapen). A estatística não é uma realidade exclusiva do Rio Grande do Norte, sendo um fenômeno nacional do encarceramento em massa, segundo estudo feito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).
“O preso de hoje foi a criança, o adolescente e o jovem que na maioria das vezes faltou investimento na política educacional nele, para que exista equidade e se combata injustiças sociais”, aponta a professora e doutora em práticas pedagógicas, Cláudia Santa Rosa, ex-secretária de Educação, Cultura e Lazer do RN, citando a icônica frase do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997): “Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”, frase dita numa conferência, em 1982.
Ainda segundo Cláudia Santa Rosa, o Brasil possui “políticas públicas invertidas”, com maiores investimentos no Ensino Superior ao invés da Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio), o que ocasiona em aumento de desigualdades sociais.
“Há uma distância muito grande no investimento da Educação Básica e da Superior. Isso denota a baixa compreensão quanto à importância dessa Educação Básica, para crianças e adolescentes. Não investimos o que deveríamos aplicar na criança e jovem na época própria e acaba triplicando o investimento no combate à violência, naquele que vira bandido, que vive à margem da sociedade. É uma inversão preocupante. Se o país investisse na forma que deveria em políticas públicas sérias para garantir a permanência da criança e jovem na escola, em condições de aprender, não seria necessário gastar com os presos. Isso mostra a condição de sermos um país subdesenvolvido”, cita Santa Rosa.
Para o professor Gustavo dos Santos Fernandes, especialista em educação e titular da pasta na cidade de Ielmo Marinho, a discrepância é uma “reparação histórica não pensada”, que segundo ele, acontece “pela desorganização do investimento do dinheiro público”.
“Essa reparação acontece de forma não pensada, mas infelizmente, ela acontece pelas lacunas que passaram a existir pela falta de investimento da educação ao longo dos anos. Algo que eu percebo é que o recurso existe, mas falta a gestão dele de forma organizada, ética. E quando ele não é aplicado, abrem-se as lacunas. Esse investimento que acontece para os presos vêm muito dessas lacunas deixadas que poderiam ser evitadas se a educação fosse levada de forma mais séria”, cita.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coletados em 2022 apontam que um preso custou, em média, R$ 1,8 mil mensais aos cofres brasileiros. Já um aluno da educação básica, segundo informações do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), recebe um investimento mínimo médio anual de R$ 5,6 mil – cerca de R$ 470,00 por mês, valor quatro vezes menor. A atualização mensal do custo do preso no Brasil é recente, e surgiu após um estudo na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP identificar a falta de transparência em relação a informações relacionadas aos presídios brasileiros.
O professor Gustavo Fernandes concorda que o fenômeno do preso custar mais que o aluno faz parte de um cenário nacional e aponta que não há uma padronização no Brasil no tocante à gestão e execução de políticas públicas.
“Penso que para mudarmos esse cenário se exista uma padronização de execução. Um exemplo: cada município pode criar seu plano de cargos, carreiras e salários. Muitos criam sem pensar na suas sustentabilidades e financeiras e boa parte só conseguem pagar os salários dos professores e outra parte não conseguem nem pagar, porque esses planos não atendem realidades locais”, cita.
O professor Domingos Sávio de Oliveira, assessor técnico e ex-presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação do RN (Undime-RN), aponta que a utilização de recursos públicos na Educação apresentou melhora nos últimos anos no Brasil, mas pondera que é necessário qualificar melhor o uso dos investimentos.
“O que precisamos é de políticas públicas na educação, assistência social, saúde e cultura, para que consigamos evitar que esse sistema seja retroalimentado. Esse valor não é novidade, o sistema penal é caro em relação às outras áreas do investimento”, aponta.
O professor Domingos Sávio cita como avanço o novo Fundeb, como por exemplo a necessidade de se aplicar 10% do ICMS arrecadado nos estados como complementação para municípios. “São coisas que estão sendo feitas há algum tempo. Temos alguns avanços, mas são insuficientes porque essa demanda da violência no Brasil é muito presente”, acrescenta.
O custo médio do preso mensal no Rio Grande do Norte é três vezes maior que os custos para se manter um aluno no Ensino Médio da rede pública de ensino. Em 2022, um apenado no RN custou, em média, R$ 1.892,96 por mês aos cofres públicos, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, do Departamento Penitenciário Nacional (Senapen).
Tribuna do Norte.